Introdução
A saúde mental dos trabalhadores ganhou um novo e importante capítulo na legislação brasileira com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1). Publicada em 27 de agosto de 2024 através da Portaria MTE nº 1.419, esta alteração marca um avanço histórico ao incluir explicitamente os fatores de riscos psicossociais no gerenciamento de riscos ocupacionais. Com entrada em vigor prevista para 26 de maio de 2025, as empresas brasileiras terão que adaptar seus programas de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) para identificar, avaliar e gerenciar esses riscos de forma sistemática.
Esta atualização não ocorreu sem controvérsias. Apesar de não haver consenso na inclusão pela representação dos empregadores, a representação do Governo, composta por quatro Ministérios, e a de trabalhadores concordaram com a inclusão dos riscos psicossociais, reconhecendo o avanço que a nova redação traz para a promoção de ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis. Gov
O que são Fatores de Riscos Psicossociais?
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os riscos psicossociais no trabalho resultam da interação entre o indivíduo, suas condições de vida e suas condições de trabalho. Blog SGG De forma mais específica, a OIT define os riscos psicossociais como:
"A interação entre o trabalho (ambiente, satisfação e condições de sua organização) e as capacidades do trabalhador (necessidades, cultura, sua situação externa ao trabalho)". Scielo
Entre os principais fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho, podem ser destacados:
Sobrecarga horária
Sobrecarga de trabalho mental e físico
Monotonia e repetitividade
Falta de apoio e suporte social no ambiente laboral
Assédio moral e sexual
Violência no trabalho
Insegurança no emprego
Estresse ocupacional
Metas excessivas e irrealistas
Falta de autonomia e controle sobre o trabalho
Conflitos interpessoais
Jornadas extensas ou em turnos inadequados
As Mudanças na NR-1: O que Muda para as Empresas?
A principal alteração trazida pela Portaria MTE nº 1.419/2024 é a inclusão dos fatores de riscos psicossociais relacionados ao trabalho no item 1.5 da NR-1, que trata do Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). A atualização amplia o escopo da gestão de riscos ocupacionais, incluindo agora, além dos riscos físicos, químicos, biológicos, de acidentes e ergonômicos, a necessidade de considerar os riscos psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho.
As principais exigências práticas para as empresas incluem:
Identificação dos riscos: As organizações devem realizar um levantamento sistemático dos fatores psicossociais presentes em seus ambientes de trabalho, considerando aspectos como organização, gestão, relações interpessoais e exigências mentais das atividades.
Avaliação dos riscos: Os empregadores devem identificar e avaliar riscos psicossociais em seus ambientes de trabalho, independentemente do porte da empresa. Caso os riscos sejam identificados, será necessário elaborar e implementar planos de ação, incluindo medidas preventivas e corretivas. Gov
Implementação de medidas preventivas: As empresas deverão adotar medidas para prevenir e mitigar os riscos identificados, que podem incluir reorganização do trabalho, melhoria nos relacionamentos interpessoais, suporte psicológico e programas de promoção da saúde mental.
Monitoramento contínuo: As ações implementadas deverão ser constantemente monitoradas para avaliar sua eficácia e ajustadas quando necessário.
Integração ao PGR: Todos esses elementos deverão ser formalmente documentados e integrados ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) da empresa.
Por que essa Mudança é Importante?
A inclusão dos riscos psicossociais na NR-1 representa um reconhecimento oficial da importância da saúde mental no ambiente de trabalho. Esta mudança ocorre em um contexto de crescente preocupação com adoecimentos mentais relacionados ao trabalho.
A incidência de doenças mentais, transtornos emocionais e psicológicos aumentou de forma significativa, tanto no Brasil como no mundo, e as perspectivas para 2025 não são animadoras. De acordo com estudos recentes, os transtornos mentais afetam a vida de 30% dos trabalhadores no mundo, sendo a terceira maior causa de solicitação de auxílio-doença no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) no Brasil.
Além dos impactos na saúde dos trabalhadores, os riscos psicossociais também geram consequências negativas para as organizações, como:
Aumento do absenteísmo e presenteísmo
Queda na produtividade
Aumento da rotatividade
Elevação nos custos com assistência médica
Deterioração do clima organizacional
Maior risco de acidentes de trabalho
Como se Preparar para as Novas Exigências?
Com a entrada em vigor da nova redação da NR-1 prevista para maio de 2025, as empresas têm aproximadamente nove meses para se adaptarem às novas exigências. Algumas recomendações para facilitar esse processo incluem:
Formação de equipe multidisciplinar: A gestão dos riscos psicossociais exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo profissionais de segurança do trabalho, recursos humanos, saúde ocupacional e, quando possível, psicólogos organizacionais.
Capacitação dos gestores: Os líderes diretos desempenham papel fundamental na prevenção de riscos psicossociais. Capacitá-los para identificar sinais de alerta e adotar práticas de liderança saudáveis é essencial.
Diagnóstico inicial: Realizar um mapeamento dos fatores de risco psicossociais presentes na organização, utilizando metodologias reconhecidas, como questionários validados, entrevistas e grupos focais.
Desenvolvimento de políticas internas: Estabelecer políticas claras de prevenção ao assédio, gestão de conflitos, equilíbrio trabalho-vida pessoal e suporte à saúde mental.
Implementação de programas de promoção da saúde mental: Desenvolver iniciativas que promovam o bem-estar psicológico, como programas de gerenciamento do estresse, práticas de mindfulness e canais de apoio psicológico.
Fiscalização e Consequências do Não Cumprimento
A fiscalização será realizada de forma planejada e por meio de denúncias encaminhadas ao MTE. Setores com alta incidência de adoecimento mental, como teleatendimento, bancos e estabelecimentos de saúde, serão prioritários. Gov
Durante as inspeções, os auditores-fiscais do trabalho verificarão:
Aspectos relacionados à organização do trabalho
Dados de afastamentos por doenças mentais
Relatos de trabalhadores sobre o ambiente psicossocial
Documentação do gerenciamento de riscos psicossociais
O não cumprimento das novas exigências poderá resultar em autuações, multas e, em casos graves, interdição de atividades ou áreas de trabalho. Além disso, a ausência de gestão adequada dos riscos psicossociais pode aumentar a vulnerabilidade das empresas em processos trabalhistas por danos morais e materiais relacionados à saúde mental.
Oportunidades e Benefícios da Nova Regulamentação
Embora o cumprimento da nova redação da NR-1 represente um desafio inicial para muitas organizações, a implementação efetiva de práticas de gestão de riscos psicossociais traz benefícios significativos:
Ambiente de trabalho mais saudável: A prevenção dos riscos psicossociais contribui para a criação de um ambiente de trabalho psicologicamente seguro e saudável.
Maior engajamento e satisfação: Trabalhadores que se sentem psicologicamente seguros tendem a se engajar mais com suas atividades e demonstrar maior satisfação no trabalho.
Redução de custos: A identificação dos riscos psicossociais pode ser encarada como um investimento que proporciona segurança jurídica à organização e bem-estar aos trabalhadores. A prevenção de adoecimentos mentais reduz custos com afastamentos, substituições e tratamentos de saúde.
Melhor imagem organizacional: Empresas que demonstram preocupação genuína com a saúde mental dos trabalhadores tendem a fortalecer sua reputação e atratividade para talentos.
Aumento da produtividade: Um ambiente psicossocialmente saudável favorece a concentração, criatividade e disposição dos trabalhadores, impactando positivamente na produtividade.
Conclusão
A inclusão dos fatores de riscos psicossociais na NR-1 representa um marco importante na evolução da legislação de segurança e saúde no trabalho no Brasil. Esta mudança reconhece que a proteção à saúde dos trabalhadores não se limita aos aspectos físicos, mas deve abranger também a dimensão psicológica.
As empresas que já adotam boas práticas de gestão e promovem ambientes psicologicamente saudáveis terão mais facilidade para se adequar às novas exigências. Por outro lado, organizações com culturas tóxicas ou práticas de gestão inadequadas precisarão promover mudanças significativas em sua forma de operar.
Mais do que uma simples adequação normativa, a gestão efetiva dos riscos psicossociais representa uma oportunidade para as organizações construírem ambientes mais saudáveis, produtivos e alinhados com as expectativas contemporâneas sobre o papel do trabalho na vida das pessoas. Em um contexto de crescente valorização da saúde mental, as empresas que se anteciparem na implementação dessas práticas não apenas cumprirão a legislação, mas também se posicionarão estrategicamente como empregadores preocupados com o bem-estar integral de seus colaboradores.
Referências
Portaria MTE nº 1.419, de 27 de agosto de 2024
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
Organização Mundial da Saúde (OMS)
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)